xororó du goias canta paixão de homem
quarta-feira, 29 de setembro de 2010
CAUSOS E ACASOS
“Bão seu moço, aentão, cê qué sabê como é que era a vida de peão de boiadeiro? Boa, muito boa. Mas sabe, a gente ganhava pouco.Aquilo lá era um vício, assim que nem cachaça. Acho que se tivesse comitiva inté hoje a gente tava tocando boiada, engolindo poeira, tomando chuva na cabeça. Vou contar pro cê:”
“Uma vez nóis vinha puxando boiada lá de Rondonópolis, pegado 1.200 bois, que caminhada difícil.A começar que no meio do caminho a gente fechou a boiada num curral e não é que ela estourou lá pelas 4 horas da madrugada? A boiada estourou e quebrou o curral. Arruma todo mundo, junta a tropa e saimo prá pega a batida da boiada fugida. Naquele tempo Mato Grosso era um cerradão só. De longe a gente avistou a boiada, aproximamo, cercamo já tava mais quieta comendo, mas contamo e faltava 150 bois. Toca dois peão para buscar o restante. Foi lá um tal de João Dote e um outro, gente firme, gente experiente...Mesmo assim demoraram um tempão pra juntá com o restante. Num podia párar, era tocar em frente...Como encontrava a tropa toda? Aí era fácil. A gente sabia onde era cada ponto, cada parada. Sei que esses daí demoraram muito porque deram de parar em casa de mulherada. Sabe como é né? Peão na estrada não tem tempo ruim. Tomaram café, comeram um pouco e seguiram atrás da gente” “De quem eram os bois? Essa boiada aí a gente ia entregar na Fazenda do sêo Nico Junqueira. aquí de Barretos. Que vida dura. Sabe, sêo moço, quanto tempo a gente gastô para fazer essa viagem até chegá na fazenda dele? Uns quarenta dias. Quarenta dias em cima do lombo do animal, muita poeira...” “Sim. Era sempre longa viagem que a gente fazia. Teve uma partida que a gente saiu de Paracatú, Minas Gerais, essa foi das pió. Foi dura. A gente gastou 90 dias. Nessa viagem a gente levava 1080 bois. Boiaderada, num é mesmo? Boiadão. Foi um tempo de chuva sem parar. Chuvarão, chuvarada...Era chuva que Deus soltava com firmeza. Essa era de um tal de Fifico Ribeiro. Fazendeiro das Minas Gerais, que vendeu muito gado cá prá Barretos” “Ué. Tinha que fazê não é? Quando chovia a gente fazia comida do mesmo jeito.Tinha que fazê. Molha tudo, mas tem que fazer né, seu moço. O peão qué comê. Sempre a chuva dá uma paradinha. Se o fogo pega, dai tudo bem, daí sai. Depois de botá a trempe...Seo moço sabe o que é trempe? É o fogão de boiadeiro. A trempe tem três buracos, fincava ela no chão e fecha do lado. Mais ou menos trinta minutos a comida saia. Arroz, feijão, carne assada e mandioca. As vezes na janta encontra um frango, a gente comprava, matava e comia. A peonada gostava...”
“Quantas? Bão, naquele tempo tinha umas vinte comitivas em Barretos. A cidade era do boiadeiro. Donde vem a fama, né seo moço. Cidade de gente brava. Às vezes antes de chegar aqui tinha quinze comitivas. Era uma festa. Inda mais quando a gente tava perto da mulherada. Daí sim que se exibia. A peonada tinha um chapelão de aba grande, bota até o joelho, goiaca na cintura. A peonada mandava no Café Goiano, fazia história. Nem a polícia botava a cara. Olha só, era comitiva de 10 peão, 20 peão, quando reunia todo mundo era um rolo só”
“Contar os bois? Era duro, sêo moço, uma partida de 1.500 bois prá contar era duro. O peão contador tinha que ser bom. Numa porteira ele contava boi só pelo chifre ou pelo pé. E era aquele mundão de animal. O início tava aqui na frente e a culatra lá longe, perto do estradão. Culatra, ante que sêo moço me pergunte era o final da boiada”
“Tenho saudade sim! Muita.” (olha prá frente pensando, através de mim, longe no espaço afora). A derradeira vez que puxei boi prá Barretos, foi uma festa e uma tristeza. O povo de Barretos ficou abismado. Naquela época a peonada que trouxe estes bois de Goiás, era tudo peonada de 40, 50 anos. O povo olhava, e dizia esse povo não dava conta da boiada não. A gente era mais velho, mas era estupioso, sabia trabalhar com boi né? Daí quando a gente entrou nessa vila aquí no Bom Jesus, lá em cima tinha uma estrada boiadeira, a gente saia aqui. O povo ficou abismado de ver um boiadão daquele. O povo ficou doido, foi encontrar a gente lá na beira do rio. Tirou fotografia. O povo nunca tinha visto uma boiada baia...”
“...Nem preto, nem pintado, nem amarela. Pensei: gente o povo de Barretos acha que isso é a última coisa do mundo? Mas vai fazê o quê? Parecia que nunca tinha visto uma boiada. Tiravam foto da gente lidando com boi, tirava foto comigo fazendo comida, com a peonada toda, dos bois..”
“...Gozado né! Um povo tão acostumado a ver boi, falar de boiada, dizer isso e aquilo e fazer um festão daquele com a gente, que coisa, sêo moçõ...”
“...E sabe duma coisa é uma alegria boa de se lembra? Mas coloca um pouco de tristeza no peito da gente”
(Fonte: Jornal Sabiá nr. 05 Ano I)
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