xororó du goias canta paixão de homem

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

A DANÇA DU SÃO GONÇALO BÃO DI MAIS


É este o primeiro velso
qu´eu canto pra São Gonçalo..."
- Senta aí mesmo no chão, Benedito!
"É este o primeiro velso
qu´eu canto pra São Gonçalo..."
E o coro começa grosso, grosso. Rola, subindo. Desce, fino, fino. Mistura-se. Prolonga-se Ôôôô! Aaaa! Ôaaôh! Ôaiiiiiiih! Um guincho.
O violeiro de olhos apertados saúda o companheiro. E marcha, seguido pela fila. Dá uma volta. Reverências para cá. Reverências para lá. Tudo sério. Volta para o seu lugar.
- Entra, seu Casimiro!
O japonês Kashamira entra com a mulher e o filhinho brasileiro de roupa de brim. Inclina a cabeça diante de São Gonçalo. Acocora-se. O acompanhamento das violas, feito de três compassos, não cansa. Os assistentes enchem os cantos sombreados. No centro da sala de vinte metros quadrados, a lâmpada de azeite se agita.
"Minha boca está cantando,
meu coração lhe adorando!"
Cabeças mulatas espiam pelas janelas. A porta é um monte de gente. A dona da casa, desdentada, recebe convidados.
- Não vê que meu defunto, seu Vieira, tá enterrado já faiz dois ano...Fazia mesmo dois ano agora no Natar...
(Pan-pan-pan!Pan-pan!Pan!)
- Eu antão quis fazê esta oração pra São Gonçalo deixá ele entrá...
"Vou mandá fazê um barquinho
da raiz do alecrim..."
O menino de oito anos aumenta a fila da direita. A folhinha da parede é do Empório Itália-Brasil. Garibaldi tem uma bandeirinha no peito e ergue bem alto a espada.
"Pra embarcá meu São Gonçalo
do promá pra seu jardim."
Desafinação sublime do coro. Os rezadores movimentam-se. Trocam de posição. Enfrentam-se. Dois a dois avançam, cumprimentam à esquerda, cumprimentam à direita, tocam-se ombro contra ombro, voltam para seu lugar. O negro de ala é o melhor dançarino da quadrilha religiosa.
"São Gonçalo é um bom santo
por livrá seu pai da forca."
A noite cerca de escuridão a casinha de barro. Cigarros acesos são riscos de fogo nas mãos inquietas.
A dona da casa é viúva de um português. E amiga de um negro.
- Não vê que o Crispim também pegô a doença danada... Num havia jeito de sará... O coitado quis até se enforcá num pé de bananêra!
"Artá de São Gonçalo,
artá de nossa oração!"
- Nóis antão, fizemo uma premessa. Que se Crispim sarasse, nóis fazia esta festa.
"Foi promessa que sarando será seu precuradô!"
A cabocla trata de salvar a alma do morto e o corpo do vivo. A filha bonitinha sorri, enleada. As violas têm um som, um som só. Chega gente.
"São Gonçalo tava longe,
de longe já tá bem perto..."
Um a um, curvam-se diante do altar. Gingam. O violeiro de olhos apertados está de sobretudo. Negros de pé no chão.
- Nóis tamo mesmo emprestado neste mundo...
Cantando, andam pela salinha quente.
"Abençoado seja a mão
que enfeitô este oratório!"
O preto de pala dá um tropicão engraçado. E a mulher de azul celeste ri, amamentando o filho. Mas os violeiros esganiçam:
"da dança de São Gonçalo ninguém deve caçoá. (Ôôôô! Aaaaah! Iiiiiiih!) São Gonçalo é vingativo, ele pode castigá!"
Silêncio na assitência descalça. As bandeirinhas desenham um X de papel sobre as cabeças dos dançarinos. Atrás da casa, tem cachaça do Corisco.
- Depois, é a veis das moça. Quem quisé pode pegá o São Gonçalo e dançá com ele encostado no lugar doente.
"Onde chega os pecadô,
ajoelhai, pedi perdão!"
O estouro dos foguetes ronca no vale estreito. São fagulhas os vagalumes. De uma fogueira que não se vê. Lá dentro, o mesmo ritmo. Faz já uma hora monótona.
"São Gonçalo está sentado
com uma fita na cintura."
O caboclo louro usa da faca e esgravata o dedo do pé.
- São seis reza de hora e meia, mais ou meno... Pro santo ficá sastifeito.
"Lá no céu será enfeitado
p´la mão de Nossa Senhora!
(Pan-pan-pan-pan! Pan-pan!
Plá-plá-plá-plá! Plá!
Plá-plá-plá-plá!)
Oratório tão bonito
cuma luz a alumiá!"
Do alto do montão de lenha, a gente vê, no fundo. São Paulo estirado. Todo aceso. Do outro lado, a Serra da Cantareira não deixa a vista passar. Nosso céu tem mais estrelas.
"São Gonçalo foi em Roma
visitá Nosso Sinhô!"
- Só acaba amanhã, sim sinhô! Vai até o meio-dia, sim sinhô! E acaba tudo ajoeiado.
Ôôôô! Aaaaah! Ôaôôaaaôh! Ôôôiiiiih! Parece um órgão, no princípio. Cantochão. No fim, é um carro-de-boi.
"Senhora de Deus convelso
Padre, Filho, Esprito Santo!"
Quem guincha é o caipira de bigodes exagerados.

Nelson José Lombardi é membro da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais.

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